Capítulo Inicial
O Cerco
Capítulo 1 – Acossado
O menino acordou com a boca seca.
Primeiro sentiu cheiro de umidade.
Depois de sangue.
Tentou abrir os olhos, porém uma dor aguda na parte de trás da cabeça o fez desistir rapidamente. Quis levar a mão até lá, mas encontrou a resistência de uma corda, os pulsos estavam presos atrás do corpo, amarrados a uma cadeira.
Mordeu os lábios engolindo o choro.
Buscou em sua memória um fato recente que permitisse entender o que estava acontecendo, mas sua mente era um breu.
Procurou articular alguma palavra. Em vão.
Concentrou-se nos sons ao seu redor: uma goteira em algum canto à sua direita, a estridulação de um grilo em outro cômodo ou fora dali. Uma estática, como de uma lâmpada fluorescente. Vento fraco, alguma passagem de ar.
Forçou os olhos em um gemido.
Nada.
– Olá? – tentou, mas a voz saiu arranhada.
Respirou fundo e venceu a dor. Deixou a visão acostumar-se ao ambiente e buscou um resquício de luminosidade. Do lado oposto ao barulho da goteira uma réstia de luz. Dali identificou também a origem da estática: um rádio comunicador buscava encontrar uma frequência.
– Tem alguém aí?
Não houve resposta, mas ficou claro que tinha. Percebeu que o som do vento era, na verdade, alguém que respirava com dificuldade.
– Eu tô escutando você. Fala comigo. Que lugar é esse?
Uma porta foi aberta às suas costas e a luz invadiu o cômodo. As paredes mofadas vertiam água. Pequenos animais rastejavam por elas, traças, lacraias, baratas em especial. Ouviu passos de alguém em sua direção.
– Tô vendo sua sombra. O que você quer comigo?
Mãos firmes apertaram ainda mais as cordas e o menino se sacudiu em desespero. Quem quer que fosse não estava disposto a conversar.
A porta atrás de si fora fechada e a escuridão tomou conta novamente do espaço. Precisava controlar o pânico que o atrapalhava de pensar.
“Lembre-se de como veio parar aqui”, repetiu em sua mente.
Aos poucos a imagem de uma rua foi surgindo, depois de um carrinho de supermercado. Alguém precisando de ajuda? Sim, foi isso. Estava voltando para casa com algumas compras, quando viu uma senhora de cabelos claros com dificuldades em colocar suas sacolas na parte de trás de uma van. Quis ajudar. A mulher não disse nada, mas apontou para a lateral. Foi ver o que ela queria e depois...
Depois mais nada.
Estava aqui, amarrado, com sede, com medo.
Quanto tempo havia se passado? Impossível prever. Pensou em sua mãe, esperando que retornasse em breve com as compras para o almoço e seus olhos inundaram-se de vez.
Aceitou a situação por um tempo e esperou. Quem quer que fosse o seu sequestrador o queria vivo, então aguardaria o próximo movimento.
Enquanto isso, buscaria pelas peças do quebra-cabeça.
Sol. Supermercado. Compras.
Próximo à saída, uma van. Preta. Uma senhora. De sobretudo, chapéu e óculos escuros. Por que se aproximou de forma tão descuidada? A senhora era alta. Bem alta. As mãos! Não era uma senhora, era uma mulher. Jovem. O rosto! Ele olhou para o rosto. Sob os óculos. Olhos claros. Muito claros. O cabelo não era branco. Era loiro. Ele disse alguma coisa. “Eu conheço você!”. A pancada veio depois disso, dada por outra pessoa.
Seu corpo inteiro tremeu.
Sabia quem havia lhe sequestrado.
– Eu sei quem é você! – gritou. – Vem aqui falar comigo. O que você quer?
A porta foi aberta novamente, dessa vez com violência.
O menino sentiu o tapa no rosto antes de ouvir a voz carregada de sotaque:
– Calar boca, глупы¹!
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¹ Estúpido.