
Capítulos Iniciais
Traços
1. Assola
– Larga agora, Lord, isso era do Deco, laaaaarga.
Sentei no chão com o Lord e, trazendo ele para o meu colo, fi quei lembrando do meu irmão. Brigamos várias vezes, mas teve uma que não consigo tirar da minha cabeça. Bem ali, onde o Lord pegou a capa do violão do André.
Eu não gostava da Cíntia e o André estava cego por ela. Já tinha dito para ele algumas vezes, só que naquele dia brigamos por isso. Lembro que eu entrei no quarto dele para conversar e ele estava trocando mensagens de voz com ela. Eu ouvi ele dizendo que no feriado eu não iria para praia e que por isso ela poderia ir tranquila.
– Ei, eu ouvi isso. Não sabia que a praia fi cava melhor quando eu não ia – falei entrando no quarto.
– Não foi isso que eu disse – ele comentou comigo pedindo para eu sair.
– Não vou sair, quero entender o que tu disse. – Falei porque a Cíntia sabe que tu não gosta dela. – Não gosto mesmo, e um dia tu vai entender, pois ela vai mostrar quem realmente é.
– O que tu sabe que eu não sei, Antônio?
– Nada. Mas reconheço nela alguma encrenca, ela tem algo no olhar. Vai dizer que nunca reparou?
– Não, não reparei, ela e eu estamos felizes juntos. É só isso que eu reparei.
– Vai te surpreender, então.
– Vem e fala na minha cara isso, maninho.
– Já disse, e não foi a primeira vez.
– Sai do meu quarto, acho muito bom que tu não vá mesmo no feriado. O pai e a mãe gostam dela, só tu que fica de birrinha. Por que não arranja uma namorada? Daí larga do pé da minha.
– Só queria te alertar, mas, se quer quebrar a cara, vai.
Ele levantou e fechou a porta na minha cara depois de me empurrar para fora. Ficamos um bom tempo sem falar um com o outro. Quando eles voltaram da praia, o André me abraçou de um jeito estranho, cheguei a achar que estava chorando. Incrível é pensar que sempre temos a ideia de que falamos tudo.
2. Viaja
Laura e eu somos amigas ainda antes de irmos para a escola. Fomos colegas desde o primeiro ano. Confidentes. Compartilhamos tantas coisas que uma vez gostamos do mesmo menino. Nossas brincadeiras aos poucos foram substituídas por longas conversas. Noites e noites trocando mensagens. Fazia uns cinco anos que Bia tinha entrado para a turma e transformado nossa dupla em trio (Laura, Bia e Carol, as inseparáveis). Nós ficamos muito unidas.
O feriado de Páscoa estava próximo e nós combinamos os últimos detalhes da viagem para a praia. Os pais da Bia convidaram eu e a Laura para passarmos os três dias na casa deles. Bia estava especialmente animada, só falava nisso, seria bom demais nós três lá, afinal a previsão do tempo era muito vento e talvez até chuva.
A viagem foi tranquila, apesar da tagarelice da gente no carro. Quando chegamos, largamos as coisas no quarto da Bia e fomos para a praia. Estava um dia bonito e o vento fazia nossos cabelos dançarem. Bia mostrava os seus lugares favoritos e a gente dava risada de tudo.
Sentamos na areia e olhando o mar continuamos contando segredos. Eu ficava observando todo aquele verde e lembrando de quando era criança, meus medos e quanto tempo levou para que eu conseguisse entrar na água, depois de uma brincadeirinha boba de um primo mais velho. Ficamos toda a tarde ali, na beira da água. Caminhamos, comemos algumas coisas que levamos e quando cansamos, fomos para casa. A noite foi animada, ficamos jogando cartas até cair no sono. Eu fui a última a dormir, pensando no Antônio, é claro.
O sábado estava mais quente. Dormimos muito, almoçamos rápido e fomos para a praia. No caminho, uma surpresa. A Bia encontrou alguns amigos do veraneio, e todos fomos juntos até o mar. Viramos sete. Quantos risos. Bia finalmente apresentou o Thiago para nós (fazia tempo que falava nele).
Foi nesse dia que conheci o Gustavo, ele era demais. Curtimos o dia e ganhei um novo amigo. O banho de mar naquela tarde foi delicioso. Laura aproveitou com a Sofia e o Zeca, dois irmãos que eram parte da turma.
Quando estávamos voltando para a casa da Bia, nós nos separamos do grupo. O encontro de noite seria na casa dos gêmeos. A combinação era comer um Xis e depois ficar conversando com eles.
No caminho para o lanche fomos nos encontrando, só faltava passar na casa do Gustavo. Quem abriu a porta foi a mãe dele, que estranhou o filho não ter voltado ainda. Ela convidou o grupo para entrar, disse que já voltava e entrou na cozinha.
Sofia viu que o aparelho da mãe do Gustavo estava vibrando. Era um número desconhecido e ela levou-o para a dona. A mãe do menino desligou o telefone e pediu nossa ajuda, tinham achado o Gustavo. Na hora me deu uma sensação horrível.
– Vocês me acompanham? Ele está em uma casa aqui bem perto – disse a mãe.
– Claro – falamos em coro.
No caminho ela disse que o tinham encontrado caído. Já haviam chamado uma ambulância quando conseguiram o telefone dela. Ela entendeu que ele estava acordado, mas tinha batido a cabeça na queda.
Uma quadra adiante, vimos a ambulância estacionada em frente a uma casa e corremos até lá. Gustavo estava dando risada com os paramédicos. Ele lembrava de ter se distraído e uma moto ter invadido a calçada em que ele estava e o lançou longe. Não conseguia lembrar de mais nada.
O casal que o resgatou estava chegando em casa e viu apenas quando ele já estava caído. A ambulância levou Gustavo e a mãe para o hospital. O saldo foi um braço quebrado, uma luxação no tornozelo esquerdo e uma dor de cabeça que em poucos dias passou.
Desde então, nós fazemos muitos programas juntos e sempre vamos lembrar do feriadão em que nos conhecemos. Já misturamos a turma da escola com a da praia e deu muito certo. Às vezes fico pensando se gosto do Gustavo ou se tento fazer o Antônio ter ciúme.
O cara da moto? Ninguém encontrou.